A química de Amanita muscaria, substâncias e princípios ativos
- bosquedasamanitas
- 6 de mar. de 2024
- 14 min de leitura
Atualizado: 21 de mar. de 2024

Nesse post mais técnico, trazemos para você, em livre tradução, o ótimo trabalho da Dra. Ewa Maciejczyk*, em uma abordagem científica, tratando da composição da Amanita muscaria. Embora seja uma leitura mais "pesada" e extensa, para alguns, traz também muita informação e certamente enriquecerá a sua compreensão sobre nosso fungo mítico.
Amanita muscaria, uma espécie mítica e de presença marcante em várias culturas, comum nas florestas de todo o mundo, crescendo em todos os lugares onde há bosques com bétulas e coníferas. Tendo em mente, o fato de que pode ter sido a primeira substância alucinógena usada para fins religiosos ou xamânicos (que remonta a mais de 10.000 anos) não deve ser surpreendente a distinção à ela reservada. E esse fascínio não mudou. No entanto, o "poder mágico" dos cogumelos alucinógenos está sujeito à racionalização científica hoje. Embora a investigação química de Amanita muscaria possa ser rastreada até 1869, a partir da década de 1960, é que dois compostos primários, ácido ibotênico e muscimol, foram encontrados em A. muscaria em níveis farmacologicamente ativos e foram determinados como responsáveis, em pelo menos em parte, para a psicoatividade do agárico das moscas.
Aqui, é importante afirmar que Amanita muscaria não possui psilocina ou psilocibina em sua composição química.
Pesquisas posteriores mostraram que o efeito alucinógeno após o consumo de A. muscaria é maior do que após a ingestão de uma quantidade equivalente dos compostos ativos (Ott, 1993). Assim, tem-se levado em consideração a possibilidade de que outras substâncias alucinógenas não identificadas sejam produzidas por esses cogumelos (Barceloux, 2008; Catalfomo & Eugster, 1970; Eugster, 1967; Feeney, 2010; Festi & Bianchi, 1991; Liu, 2005; Matsushima, Eguchi, Kikukawa e Matsuda, 2009; Michelot e Melendez-Howell, 2003; Schultes, 1977; Wasser, 1967).
Embora nenhuma nova substância com ação psicoativa tenha sido confirmada desde então, novas pesquisas resultaram em uma melhor compreensão da composição química de Amanita muscaria. Esse cogumelo, assim como muitos fungos, é uma importante fonte de compostos com significativo potencial médico, químico e farmacológico (como sugere sua aplicação tradicional: xamãs de diferentes tribos o usavam como uma cura milagrosa para muitas doenças).
A busca pelo(s) composto(s) inebriante(s) do A. muscaria, assim como plantas, fungos e outros organismos vivos que têm sido usados na medicina tradicional ou em rituais milenares sempre atraíram grande interesse entre os cientistas. A busca por substâncias ativas em cogumelos Amanita muscaria data de 1869, quando as propriedades da muscarina isolada de Amanita muscaria foram descritas pela primeira vez (Schmiedeberg & Koppe, 1869). Por quase cem anos, pensou-se que a muscarina era o principal componente ativo do cogumelo vermelho - apesar das diferenças significativas entre os efeitos do cogumelo e da intoxicação por muscarina. Em primeiro lugar, a muscarina não é psicoativa, mas causa salivação abundante, lacrimejamento e hiperidrose (sudorese excessiva) por meio da estimulação do sistema nervoso autônomo. Esses sintomas raramente são encontrados após a inebriação pelo agárico das moscas. Isto parece ser uma consequência da concentração extremamente baixa de muscarina nos tecidos de A. muscaria (Festi & Bianchi, 1991; Ott, 1993; Schultes, 1977; para uma perspectiva diferente ver Feeney & Stijve, Ch. 23).
Vamos à aula de química! :D
Abaixo, as principais substâncias e suas características:
Principais substâncias ativas de Amanita muscaria com N
Ácido ibotênico
Ácido ibotênico deriva seu nome do nome japonês para Amanita muscaria: ibo-tengu-take (cogumelo goblin de nariz comprido) (Hatanaka, 1992).

Constitui um ácido a-amino-3-hidroxi-5-isoxazolacético, que em condições padrão é uma substância cristalina incolor, bem solúvel em água fria. A maior quantidade (548 nmol/g f.w.) deste composto é encontrada na pele vermelha do gorro e na polpa amarela abaixo dele (Michelot & Melendez-Howell, 2003). O ácido ibotênico é um aminoácido que estimula os receptores do ácido glutâmico, alterando a permeabilidade da membrana e o potencial de repouso (Barceloux, 2008). Em 1985 descobriu-se que a substância chamada pantherine, identificada a partir de A. pantherina, era na verdade ácido ibotênico.
O aquecimento e a secagem do composto levam à sua descarboxilação, resultando na formação do muscimol. Dado que o ácido ibotênico se descarboxila prontamente quando exposto ao calor e a condições ácidas, é possível que, após a ingestão de cogumelos cozidos ou secos (ou mesmo após o próprio processo de digestão), apenas o muscimol chegue ao cérebro, causando os famosos efeitos psicotrópicos do cogumelo (Barceloux, 2008 ; C. Li & Oberlies, 2005; Michelot & Melendez-Howell, 2003).
Muscimol
Trata-se de uma uma substância cristalina incolor e altamente solúvel em água. A. muscaria fresco contém pequenas quantidades deste composto (em comparação com o conteúdo de ácido ibotênico, embora se acredite que o muscimol encontrado em cogumelos frescos possa ser simplesmente um artefato formado durante o procedimento de isolamento. A presença de muscimol em espécimes mais "maduros" parece ser o resultado da descarboxilação do ácido ibotênico que ocorre naturalmente (Hatanaka, 1992). O muscimol liga-se aos receptores do ácido y-aminobutírico (GABA), sendo seu agonista, e bloqueia a captação neuronal e glial do GABA, resultando no aumento dos níveis de serotonina e acetilcolina e na redução da norepinefrina. Os efeitos do muscimol no cérebro são mais aparentes no córtex, hipocampo e cerebelo. Supõe-se que o muscimol é responsável pela maioria dos efeitos fisiológicos após a ingestão de fungos contendo ácido ibotênico e muscimol, assim como a psilocina é considerada a principal responsável pelos efeitos psicoativos de fungos contendo psilocibina e psilocina (Barceloux, 2008; Hatanaka , 1992; C. Li & Oberlies, 2005; Michelot & Melendez-Howell, 2003).
Muscazona
Uma amida cíclica, ou lactama, é formada pela conversão fotoquímica do ácido ibotênico e é produzida principalmente durante a extração de outros compostos do cogumelo. A muscazona sempre foi isolada como racemato e não sofre descarboxilação nem troca hidrogênio facilmente. Estes fatos sugerem que a muscazona é um artefacto de isomerização do ácido ibotênico. Em comparação com substâncias anteriores, a muscazona induz efeitos farmacológicos fracos (Barceloux, 2008; C. Li & Oberlies, 2005; Michelot & Melendez-Howell, 2003).

Muscarina
Essa foi considerada a principal substância ativa em A. muscaria durante décadas. Como mencionado anteriormente, esta presunção foi desacreditada porque os efeitos da muscarina são distintos dos efeitos causados pela Amanita. No entanto, deve ser lembrado que a própria muscarina é um veneno forte. Esta substância é encontrada em A. muscaria em pequenas quantidades (0,0002-0,0003%) em comparação com Inocybe spp., ou Clitocybe spp. (0,43% em Inocybe subdestricta e até 0,15% em Clitocybe dealbata) (Michelot & Melendez-Howell. 2003). A. muscaria não deve apresentar efeitos de envenenamento muscarínico, exceto, talvez, em casos de consumo excessivo. Além da muscarina, nosso vermelhinho também contém vários estereoisômeros relacionados: (-)-(2S,3R,5R) alo-muscarina, (+)-(2S,3S,5S) epi-muscarina (Festi & Bianchi, 1991; Michelot & Melendez-Howell, 2003; Ott, 1976b).
Muscaridina
É encontrada em A. muscaria e vários outros fungos. Está entre os princípios ativos do A. muscaria, pertencente a um grupo de substâncias estimulantes (Dunn, 1973).
(R)-4-hidroxipirrolidin-2-ona
Possui estrutura semelhante ao muscimol e ao ácido ibotênico, é um composto característico de células de alguns fungos microscópicos que demonstra potencial atividade biológica (contra bactérias e outros fungos). Este derivado de hidroxipirrolidina fornece algumas informações sobre a biogênese do ácido ibotênico, muscimol e muscazone, muito provavelmente todos provenientes do mesmo precursor, que é o ácido ẞ-hidroxiglutâmico (Michelot & Melendez-Howell, 2003).
Hercinina
É um aminoácido betaína e um precursor da L-ergotioneína (a L-ergotioneína estabeleceu propriedades de eliminação de radicais livres e atividade antiapoptótica e pode se tornar terapêutica valor na doença de Parkinson) (Ming Yi Tang, Kee-Mun Cheah, Shze Keong Yew, & Halliwell, 2018). Este aminoácido não proteinogênico ocorre em altas concentrações em certos fungos, incluindo A. muscaria, e tem sido objeto de um número substancial de estudos. No entanto, o mecanismo da sua atividade permanece desconhecido (Kohlmunzer & Grzybek, 1972; Tulp & Bohlin, 2005).
Ácido estizolóbico e Ácido estizolobínico
Aminoácidos a-pirona, detectados em pequenas quantidades. O ácido estizolóbico e, em menor extensão, o ácido estizolobínico têm um efeito estimulante na medula espinhal isolada de ratos. Estudos sobre a via de biossíntese indicaram que a 3,4-dihidroxifenilalanina (DOPA) é um precursor de ambos os aminoácidos (Michelot & Melendez-Howell, 2003).
Outro composto isolado de A. muscaria, ácido 1,2,3,4-tetrahidro-1-metil-f-carbolina-3-carboxílico (Fig. 1) (1-metil-2,3,4,9- ácido tetrahidro-1//-pirido[3,4-b]indole-3-carboxílico) é uma substância de farmacologia desconhecida (Eugster, 1968; Ott, 1993). Este composto também foi determinado em diversas amostras de alimentos, incluindo sucos de frutas, geléias, molho de soja e bebidas alcoólicas (em cerveja e vinho). Este alcalóide é formado na condensação da reação Pictet-Spengler – uma reação entre acetaldeído e triptofano, que ocorre na natureza ou durante o processamento de alimentos (Cao, Peng, Wang, & Xu, 2007; Cox et al., 1997). Curiosamente, compostos semelhantes de B-carbolina determinados na Ayahuasca (Banisteriopsis caapi) são inibidores da monoamina oxidase (MAO) (Ott, 1993).
Ácido B-indolacético
Um produto da degradação metabólica do triptofano (desaminação) ou da triptamina (descarboxilação). Muitas vezes é produzido por bactérias que vivem no intestino. A literatura fornece informações sobre a produção endógena deste ácido em tecidos de mamíferos. Muitas vezes é determinado em baixa concentração na urina, enquanto no caso de pacientes com fenilcetonúria seu nível aumenta drasticamente. Principalmente, o ácido B-indolacético é um importante hormônio vegetal pertencente ao grupo das auxinas (Prusty, Grisafi, & Fink, 2004).
Pigmentos na Amanita muscaria

A determinação dos corantes responsáveis pela cor vermelha brilhante do chapéu do agárico das moscas foi uma das prioridades de pesquisa na década de 1970. Atualmente, a maioria das estruturas destes compostos já são conhecidas. Em 1930 se apontou a muscarufina ser o principal pigmento responsável pela cor vermelha do corpo frutífero, mas não foi confirmado posteriormente por nenhum grupo (Hatanaka, 1992; Michelot & Melendez-Howell, 2003).
Muscaflavina
Pigmento amarelo que é sintetizado da mesma forma que os ácidos beta-láctico, estizolóbico e estizolobínico (Hatanaka, 1992; Michelot & Melendez-Howell, 2003).
O próximo grupo de corantes são as musca-aurinas I-VII (Fig. 2), que pertencem às betalaínas - pigmentos resultantes da transformação da DOPA. Foi surpreendente que os cogumelos contenham pigmentos que normalmente ocorrem na beterraba vermelha (Beta vulgaris) e outras plantas. Curiosamente, o ácido ibotênico e o ácido estizolóbico são uma parte essencial da estrutura da musca-aurina I e II, respectivamente (Hatanaka, 1992; Michelot & Melendez-Howell, 2003). Substâncias estruturalmente relacionadas às musca-aurinas são a muscapurpurina violeta (Fig. 2) e a muscarrubina marrom-avermelhada (Michelot & Melendez-Howell, 2003; ver também muscarubrina [Stintzing & Schliemann, 2007]).
Amavadina
Complexo de vanádio azul claro isolado originalmente de A. muscaria. Em geral, a acumulação de metais pelos organismos visa proteger contra a crescente toxicidade associada ao aumento dos níveis de metais no solo. Contudo, a concentração de vanádio em alguns fungos do género Amanita é extremamente elevada, muitas vezes várias centenas de vezes superior à concentração deste elemento nas plantas (C. Li & Oberlies, 2005; Michelot & Mellendez-Howell, 2003). . Amavadina é um complexo de vanádio de oito coordenadas com estequiometria 1:2 com ácido (S,S)-2,2'-(hidroxiimino) dipropiônico. Esta molécula incomum despertou enorme interesse entre os químicos, devido a um complexo atípico de vanádio (IV) puro (sem ligação V=O), com número de coordenação oito e contendo dois ligantes, o que resultou na confirmação de sua estrutura em muitos estudos cristalográficos. e estudos espectroscópicos (Da Silva, Fraústo da Silva, & Pombeiro, 2013; C. Li & Oberlies, 2005; Ooms et al., 2009). Amavadina também foi isolado de outros Amanitas psicoativos, incluindo A. regalis e A. velatipes (Berry et al., 1999).
Derivados arsênicos
Na década de 1990, a arsenobetaína não tóxica (Figura 4) e derivados de metil arsênico relacionados foram descobertos pela primeira vez no ambiente terrestre em cogumelos que acumulavam arsênico, inclusive em A. muscaria. Contudo, relativamente pouco se sabe sobre este tipo de produto químico em relação ao ambiente terrestre. Nas espécies de Amanita, os seguintes derivados foram identificados além da arsenobetaína: (18) arsenocolina, (19) sal tetrametil-arsênico e (20) ácido cacodílico (ácido dimetilsulfônico). Além disso, outros derivados de arsênico, provavelmente derivados de açúcar e fosfolipídios, foram encontrados no agárico das moscas. A arsenobetaína e a arsenocolina praticamente não demonstram toxicidade. Por outro lado, os derivados metílicos são caracterizados por diversas atividades. Por exemplo, o ácido cacodílico foi um dos componentes do desfolhante Agente Azul utilizado durante a Guerra do Vietnam (Stellman & Stellman, 2018). Em geral, a formação de compostos organo-arsênicos que ocorrem em organismos vivos é resultado da desintoxicação biológica de formas tóxicas de arsênio (inorgânicas) (Byrne et al., 1995; Kuehnelt, Goessler, & Irgolic, 1997; Vetter, 2005).
Outros compostos e constituintes
A. muscaria, como todo organismo vivo, produz muitas substâncias essenciais para sustentar a vida. Alguns deles são típicos de células fúngicas e alguns têm propriedades especiais. Entre estes estão proteínas, lipídios, açúcares e seus derivados.
No grupo de proteínas identificadas em A. muscaria, a maioria são enzimas. Uma delas é a DOPA 4,5-dioxigenase, enzima central na biogênese das betalaínas da espécie. Esta enzima é uma dioxigenase clivadora de extradiol e como oligômero é composta por um número variável de subunidades idênticas (Girod & Zryd, 1991). Outro exemplo de enzima desse cogumelo é uma protease aspártica. O objetivo geral dos estudos sobre proteases de cogumelos tem sido identificar enzimas com potenciais aplicações na indústria e na medicina (Erjavec, Kos, Ravnikar, Dreo, & Sabotič, 2012).
Embora os tecidos dos cogumelos contenham principalmente água, eles também produzem lipídios. Os constituintes típicos desta classe de substâncias são os ácidos graxos que ocorrem nos organismos vivos como ésteres: triacilgliceróis, fosfolipídios, ésteres de esterol. A análise de ácidos graxos de células inteiras do agárico das moscas mostra que os principais ácidos graxos do fungo são: ácidos linoléico, oleico, esteárico e palmítico, respectivamente. Ácidos hidroxi graxos foram observados em concentrações muito baixas (Karliński, Ravnskov, Kieliszewska-Rokicka, & Larsen, 2007).

Um representante dos diacilgliceróis é a 1,3-dioleína que foi isolada do suco espremido dos corpos frutíferos de A. muscaria. Este composto é um atrativo para moscas domésticas (Muto, Sugawara, & Mizoguchi, 1968). É muito interessante que este cogumelo produza concomitantemente um atrativo e um inseticida (ácido ibotênico) para o mesmo inseto. Uma possível explicação para esse fenômeno seria que o fungo atrai moscas com o atrativo, mata-as com a toxina e depois digere seus corpos. Muitas espécies de fungos são capazes de utilizar materiais proteicos de carcaças de insetos. Contudo, esta capacidade não foi comprovada em A. muscaria. Normalmente, este mecanismo para garantir o fornecimento de substâncias nitrogenadas dos insetos é relativamente sofisticado (Hatanaka, 1992).
Outro grupo de compostos obtidos do agárico das moscas são os esfingolipídeos, principalmente as ceramidas e, em menor extensão, os cerebrosídeos (Weiss & Stiller, 1972). As ceramidas são derivados N-acil de aminoálcoois alifáticos (chamados de base esfingóide) e os cerebrosídeos possuem um grupo açúcar extra (em A. muscaria é apenas glicose [Weiss & Stiller, 1972]). Em geral, muitos processos celulares biológicos são dependentes de esfingolipídios, incluindo regulação do crescimento, migração celular, adesão, apoptose, envelhecimento e reação inflamatória (Olsen & Færgeman, 2017).
A triagem com "P RMN elucidou a presença de outro tipo lipídico - fosfolipídeos - em A. muscaria. Esta pesquisa também demonstrou outras formas de fósforo orgânico no fungo: monoésteres, diésteres, pirofosfatos, polifosfatos e fosfonatos (Koukol, Novák, & Hrabal , 2008; Maciejezyk et al., 2015).A presença das substâncias acima mencionadas reflete alta atividade metabólica em A. muscaria basidiocarpos.
Entre muitas substâncias ativas diferentes separadas de fungos (incluindo 4. muscaria), existem também esteróis – eficazes como substâncias antivirais, antibacterianas, anti-inflamatórias e anticancerígenas (Chen et al., 2017; Yoshino et al., 2008). Tais propriedades são características do ergosterol (Figura 5). Embora tenha sido isolado pela primeira vez há mais de 100 anos de Claviceps purpurea, é um dos esteróis fúngicos mais comuns e o seu valor terapêutico foi reconhecido durante a procura de metabolitos activos de cogumelos medicinais. Por exemplo, um extrato hexânico do micélio Grifola frondosa, contendo uma mistura de ácidos graxos e ergosterol e ergosta-4.6.8(14),22-tetraen-3-ona, mostrou propriedades inibitórias para cicloxigenases 1 e 2 (Zhang, Mills, & Nair, 2002). Outros estudos relatam que o crescimento tumoral (sarcoma) em camundongos foi interrompido sem efeitos colaterais após administração oral de ergosterol isolado de Agaricus brasiliensis (Zaidman, Majed, Mahajna, & Wasser, 2005). A inibição da formação de novos vasos sanguíneos no cancro do pulmão de Lewis também foi observada após a administração de ergosterol. Com base em estudos in vivo, verificou-se que o efeito anticâncer do ergosterol está associado à inibição da angiogênese causada pelo crescimento do tumor (Li et al., 2015).
Além disso, vale ressaltar que o ergosterol é um precursor da vitamina D, (ergocalciferol). Esta vitamina é essencial para o desenvolvimento ósseo adequado. Também é utilizado no tratamento de doenças de pele, hiperparatireoidismo secundário e diversos tipos de câncer (Jäpelt & Jakobsen, 2013). O corpo frutífero de A. muscaria é uma fonte muito rica de ergosterol - contendo até 77 mg/g de massa seca. Para efeito de comparação, as concentrações deste composto no popular cogumelo comestível, Agaricus bisporus, foram mais de seis vezes inferiores (Maciejczyk et al., 2012).
Recentemente, os polissacarídeos derivados de cogumelos surgiram como uma importante classe de substâncias bioativas. Muitas propriedades medicinais e terapêuticas são atribuídas aos polissacarídeos presentes nos Basidiomicetos (Ruthes, Smiderle, & lacomini, 2016). A. muscaria não é uma exceção, um fucomanogalactano e um ẞ-D-glucano ligado a (1-3), (1-6) foram isolados de seus corpos frutíferos (Kiho, Katsurawaga, Nagai, Ukai, & Haga, 1992 ; Kiho et al., 1994; Andrea Caroline Ruthes et al., 2013). A determinação da estrutura destes compostos mostrou que a fucomanogalactana é uma heterogalactana formada por uma cadeia principal de a-D-galactopiranosila ligada em (1-6) parcialmente substituída em O-2 principalmente por a-L-fucopiranose e uma proporção menor de ẞ-D-manopiranose unidades finais não redutoras, e o B-D-glucano é um B-D-glucano ligado a (1-3) parcialmente substituído em O-6 por mono e algumas cadeias laterais de oligossacarídeos. Ambos os polissacarídeos foram avaliados quanto ao seu potencial antiinflamatório e antinociceptivo e produziram potente inibição da dor inflamatória (Ruthes et al., 2013). O glucano obtido de A. muscaria por um grupo de pesquisa japonês também exibiu atividade antitumoral significativa contra o sarcoma 180 em camundongos (Kiho et al., 1992).
Outros metabólitos de açúcar interessantes são os polióis que são obtidos pela substituição de um grupo aldeído por um grupo hidroxila. Um exemplo desse tipo de álcool de açúcar é o Manitol – uma substância branca e cristalina (Figura 5). Junto com sorbitol e outros polióis; é um metabólito fúngico característico presente em A. muscaria e outros fungos (Lewis & Smith, 1967). Além de ser fonte de carbono e energia, o seu elevado teor em cogumelos está relacionado com o facto de ter uma função protetora em caso de stress hídrico e térmico (especialmente baixas temperaturas) (Tibbett, Sanders, & Cairney, 2002; Wingler, Guttenberger e Hampp, 1993). O manitol gera potencial osmótico durante o crescimento do corpo frutífero (Wingler et al.. 1993). Este poliálcool também é muito utilizado na medicina: no controle da pressão intracraniana elevada, na proteção dos rins em vários tipos de transplantes e no tratamento da rabdomiólise (Shawkat, Westwood, & Mortimer. 2012). Além disso, outras pesquisas mostraram propriedades interessantes do manitol para melhorar a entrega de medicamentos ao cérebro humano (abrindo a barreira hematoencefálica) (Bhattacharjee, Nagashima, Kondoh, & Tamaki, 2001; Brown, Egleton, & Davis, 2004; Ikeda , Bhattacharjee, Kondoh, Nagashima e Tamaki, 2002). Esses resultados inspiraram a hipótese de que uma concentração relativamente alta de manitol nos tecidos do agárico das moscas (1,02±0,02 g de manitol por 100 g de peso seco [Reis et al., 2011]) permite um transporte mais eficiente de ácido ibotênico e muscimol para o interior do corpo, cérebro e, assim, aumenta sua atividade alucinógena (Maciejczyk & Kafarski, 2013). Esta hipótese pode explicar porque os efeitos psicoativos produzidos após a ingestão de A. muscaria são maiores do que após a ingestão de uma quantidade equivalente de ácido ibotênico e muscimol (Ott, 1993). No entanto, outros investigadores sugeriram que este efeito maior pode estar relacionado com outras substâncias alucinógenas que permanecem desconhecidas (Barceloux, 2008; Catalfomo & Eugster, 1970; Eugster, 1967; Feeney, 2010; Festi & Bianchi, 1991; Liu, 2005). ; Matsushima et al., 2009; Michelot e Melendez-Howell. 2003, Schultes, 1977; Wasser, 1967).

Conclusão
Revisamos aqui a química de Amanita muscaria, fornecendo o tipo e o número de compostos isolados da espécie, e referências para a descrição de seu isolamento, estudos de elucidação de estrutura e artigos de revisão relevantes. Os dados revelam que a farmacologia de A. muscaria permanece largamente inexplorada. A discussão aqui apresentada concentrou-se principalmente em compostos alucinógenos, pigmentos e substâncias com atividade comprovada em outras espécies. Assim, faltam análises da composição química total desse cogumelo, que tem sido utilizado como uma 'cura milagrosa' para muitas doenças.
Os sintomas neurológicos após a ingestão de agárico das moscas são bem conhecidos. Apesar de algumas diferenças individuais na psicoatividade desta espécie (resultantes do nível variável de substâncias ativas, bem como de reações individuais distintas), alguns efeitos são característicos: espasmos nos membros, estados de euforia, macropsia; sentimentos ou percepções religiosas e visões esporadicamente coloridas de fenômenos sobrenaturais. Também foram relatados ataques de agressividade e estágios de sono profundo.
Como mencionado anteriormente, os efeitos após o consumo de muscimol e ácido ibotênico não explicam todos os efeitos farmacológicos observados produzidos pela embriaguez por A. muscaria. Muito provavelmente, outras substâncias em A. muscaria contribuem para os efeitos do cogumelo. Os ácidos estizolóbico e estizolobínico demonstraram efeitos estimulantes (em experiências com animais), tal como a muscaridina, e talvez estes contribuam para a hiperestimulação que por vezes é relatada. Existe também a possibilidade de que alguns dos constituintes do agárico-mosca exibam efeitos sinérgicos entre si. Mas tudo isso permanece na esfera da conjectura.
Além disso, a longa história do uso do Amanita muscaria na medicina popular não deve ser esquecida, usos que incluem a redução da inflamação reumática, o tratamento de hematomas e outras lesões, ou o alívio dos efeitos das picadas de insetos. De referir ainda que o cogumelo, outrora denominado ‘Agaricus muscaricus’, é utilizado há séculos sob a forma de tintura para tratar depressão, vários tipos de tiques, epilepsia, etc., além de ter sido utilizado, em combinação com a tintura de raiz de mandrágora, como tratamento para a doença de Parkinson.
Tendo em conta o potencial farmacológico dos fungos (incluindo propriedades antibacterianas, anti-inflamatórias, anticancerígenas e imunoestimulantes, bem como a sua capacidade de sintetizar metabolitos secundários atípicos), a investigação sobre Amanita
muscaria só pode ser considerada através dos benefícios do uso de fungos na medicina. Esta abordagem parece justificar a pesquisa etnofarmacológica. Porém, descobrir “substâncias ativas” para o mundo e formas de utilização de plantas/cogumelos “sagrados”, além do benefício óbvio (do ponto de vista científico), também tem suas repercussões negativas. Em primeiro lugar, o mundo moderno priva as espécies mencionadas do elemento sacro. No passado, seu consumo era um elemento de ritual, muitas vezes facilitado por um xamã que era o único que conhecia as receitas secretas e as peculiaridades dos efeitos da substância. Hoje, o poder mágico dos cogumelos está sujeito à racionalização científica, uma perspectiva frequentemente em desacordo com os antigos entendimentos sagrados e mágicos do cogumelo. A única coisa que não mudou ao longo dos séculos é o fascínio humano pelos diferentes estados de consciência, que são causados por substâncias de vários tipos.
Assista a Dra. Ewa Maciejczyk
*do original: Amanita muscaria Chemistry: The Mystery Demystified (?) - Dra. Ewa Maciejczyk